sexta-feira, julho 07, 2006

CARTA DA TIA AMBRÓSIA AO PEDRINHO

Meu rico Pedrinho!

Meu querido e adorado anjo!

.

.

.

O rico estava mortinho por voltar “ao barulho” está-se mesmo a ver. Não resistiu...

Lá voltou, de mansinho, para a Assembleia Nacional, disse-me a Melisa, filha do sr Joaquim da peixaria, qu’é rapariga sempre bem informada, pois até lê o Correio da Manhã, O Crime e o 24 Horas.

.

Julgo é que não precisa de se cansar muito, meu querido (nem está no seu jeito cansar-se, é verdade). A reforma que já tem por ter sido Presidente do Conselho (desculpe qu’ eu nunca atino com o nome, só me lembro qu’era assim que se chamava ao Senhor Pro-
fessor Salazar - que Deus o tenha em sua santa glória, na sua divina presença, e em descanso, - HOMEM que tanta falta nos faz - a Senhora dos Aflitos se compadeça de nós), essa reformazinha, dizia eu, já não será tão má como isso... Embora eu saiba que o querido
precisa de muito dinheiro para tantas pensões e encargos (bom, seu maroto, a gente sabe que certos encargos são por causa das marotices do meu adorado Pedrinho...).

.

Recebi aquele belhetinho do rico em que me dizia que sim, que havia de voltar à política para se vingar de uns camafeus que andam por aí... Eu sei. Eu sei, meu anjo. Ninguém compreendeu o “génio” que aí estava quando governou com aquele arranjinho que fez c’ o
Paulinho da Leninha... (Coitadinha dela: se é certo que deve ter muito orgulho no seu Paulinho – tão sério, nada dado a saias, tão religioso – o desgosto que deve ter por causa do Miguelinho, tão vermelho lhe saiu!... Repare bem meu anjo: ao Paulinho sempre o vi só com rapazinhos. Nada de fraldiquices! Nosso Senhor o acompanhe e São Jerónimo o defenda dos maus caminhos e dos maus encontros com essas galdérias sem vergonha nem religião qu’andam por aí).


Falava eu no arranjinho que fez com o Paulinho... E do “génio” que é o meu rico, sem que ninguém o compreenda...

São todos uns invejosos e uns comunistas...

.


(Ai cada vez que eu me lembro do que aquele malvado do ... ai como se chama ele. Daquele que parece um sacerdote a falar mas é um comunista pior qu’os outros... Ai com’é qu’ele se chama... Ah, já sei, o primeiro nome é Francisco, e o outro...

Bom, mas o meu santo e rico menino já percebeu ...

.

.

– Lousã!, pronto, é isso!

Não, não é: Lousã é uma serra –

.

desculpe, mas já percebeu, não percebeu? O que ele foi capaz de dizer um dia, na televisão, ao Paulinho. Meu muito querido menino, também!).

Por falar nisso, um jornal que eu já recomendei à Zitinha (Nosso Senhor a abençoe, coitada, desde que saiu lá daquele grupo de energúmenos

.

.

– disseram-me que agora não se

podia dizer energúmenos porque o Senhor Rio

– acho qu’é o nome do sr - não gosta... Mas

não diga a ninguém que eu o disse. E penso

que dizê-lo dos comunistas não será pecado...)

.

Mas dizia eu, que há um jornal que eu recomendei à Zitinha (Nosso Senhor e Santa Rita de Cássia a acompanhem desde que deixou aquele tal Brito) que nunca lhe toque: o Público, que até um frade que para lá escreve é comunista.

Acho melhor não lhe tocar, que essas coisa às vezes pegam-se, só do contágio).

Ela, a marota, riu-se (ai, a Senhora da Conceição e Santa Filomena lhe valham, não vá ela arrepender-se de ter deixado aqueles maus caminhos... São Roque lhe acuda!).

.

.

.

O meu adorado Pedrinho desculpe-me, mas o que lhe quero dizer é tanto, que as palavras e as ideias se atropelam, e misturo tudo.

.

.

.

Falava eu do bilhetinho que me mandou há tempo. Em que também me dizia que nunca se esqueceria de mim, tão sua amiga tenho sido.

Lá isso tenho, assim Deus Nosso Senhor m’acompanhe para o ser sempre até à hora da minha morte e até que o Santo Senhor dos Passos me leve, no fim dos meus dias, para o Reino dos Céus.

Dizia ainda o meu querido que por agora não precisa de nenhuma das minhas casinhas, nem da do bairro social do Padre Cruz, nem da do Beco da Fonte, ao bairro do Tancredo, ali ao pé do Casal Ventoso, nem da da Travessa do Vintém das Escolas, a Benfica... Nem das outras.

.

.

(Louçã, parece-me que era,

lembrou-me agora de repente...

Não era mesmo o nome daquele demónio

qu’atormentou o Paulinho na televisão,

um dia?)

.

.

Eu assim fiquei a pensar: o meu rico Pedrinho, que teve uma casa tão boa, ali para Monsanto, uma casa grande, mesmo de presidente, casa que é da Câmara – como me contou a Julinha, aquela que é filha da Cândida, da costureira, e namora com o filho do Manel da Zulmira, aquele que tem uma casa de pasto, aqui no bairro, qu’eu isso de casa em Monsanto até pensei que nem havia, mas a Julinha que é muito instruída e inteligente, pois até lê a TV Guia e a Maria e a Olá, e a Lux e outras – bom, mas dizia eu: o meu santo e adorado Pedrinho que teve uma casa tão boa, como é que agora se vai arranjar? Por isso lhe tinha falado nas minhas casinhas – modestas, eu sei, mas da melhor vontade. E quando o querido me disse que não precisava de nenhuma casa, nem tinha lido ainda o que escreveu a seguir: qu’alugou um quartinho, onde tem as coisas principais, pois vai dormindo em casa duma namorada hoje, doutra, amanhã, e assim por diante... Ai meu Deus!

Que maroto me saíu o meu rico menino!

O meu tesouro também me dizia que por agora dispensava os 350 contos que eu lhe dava todos os meses, que por agora chegavam 200...

Tão sério e responsável qu’é o meu lindo filho. Como é que não havia de ser presidente de tantas coisas?

.

.

(desculpe, meu amor,

mas isso de ouros e sétimos,

por mais qu’eu me esforce,

não vou lá.

Só me entendo c’os escudos...)

.

.

Olhe, meu querido, só vivo para si. As minhas magras economias e a minha modesta reformazinha só têm um destino: ajudar o meu rico menino, o meu adorado Pedrinho.

O rico disse-me que ser presidente da junta – como eu lhe disse que fosse, ao menos – qu’é pouquinho...

Acha, meu bem? Mas olhe que lá na terra, o Adolfo da junta é o mais respeitado e temido de todos! Gostam tanto dele e têem-lhe tanto respeitinho qu’até lhe chamam – dizem que por ser Adolfo e ter os modos que tem – Hiler ou assim uma coisa parecida, qu’eu não sei como é... Dizem que foi um que grelhou uns judeuzitos... Não conheci.

Não sei se ele é religioso, mas sei que ainda tem lá na junta um crucifixo, um quadro com o nosso saudoso Salazar, outro c’o general... (como se chama ele, aquele do monóculo e que esteve quase a fazer isto ir para trás para o bom caminho), e ainda outro c’o Sá Carneiro.

Também lá teve um c’o Dioguinho, mas quando ele se tornou comunista a colaborar com essa gente perigosa do Mário Soares e do Guterres, tirou-o de lá.

Meu doce anjo, as saudades que a tia Ambrósia tem do seu menino!

Nem dá para explicar.

Um beijinho muito, muito grande, da que tanto o adora e todos os dias o encomenda nas suas orações, pedindo ao Divino Espírito Santo que o alumie, a Santa Terezinha do Menino Jesus que o acompanhe e a Nossa Senhora dos Remédios que o proteja sob o seu santo manto e o console no seu regaço

.

.

– mas olhe lá Pedrinho,

olhe qu’é Nossa Senhora!

No seu regaço, sim,

mas nada doutros pensamentos seu malandreco... –

.

.

Aquela que só pensa no seu tesouro, o adorado Pedrinho da sua

Tia Ambrósia

Web Site Counter
Office Depot Coupon