terça-feira, janeiro 18, 2005

ENTREVISTA IMAGINÁRIA

Finalmente, no espaço noticioso do canal televisivo, o Prof P e o jornalista, seu entrevistador, estão no ar.

O jornalista apresenta “o Prof P, sismólogo especializado em tectónica, que nos irá elucidar sobre a magna questão que se nos coloca agora, de novo, na sequência dos recentes e trágicos acontecimentos do sudeste asiático, no Domingo 26 de Dezembro último, um sismo que registou 8,9 graus na escala de Richter, que é de 9 pontos, com epicentro na ilha indonésia de Sumatra, mas que se fez sentir em todo o Oceano Índico, sul da Ásia e costa oriental de África, e a que se seguiu um devastador tsunami (nome científico de maremoto), com vagas gigantescas que chegaram a atingir vinte metros de altura; desastre natural que vitimou várias dezenas de milhares de seres humanos – crê-se que várias centenas de milhares (entre mortos, feridos, desaparecidos e desalojados), que assolou e destruiu inúmeras cidades, estâncias de veraneio e ilhas do sudeste asiático, submergindo muitas destas”.

Jornalista: boa noite, Prof P. Os acontecimentos que acabo de referir são dramáticos e aterradores. Poderá a tectónica, no seu actual estado de desenvolvimento do conhecimento científico, prever uma catástrofe desta natureza?

PROF P: a única certeza que temos é que há zonas, no nosso planeta, mais sensíveis que outras nesta matéria. Sabemos, ainda, que é na fronteira das placas…

Sim, Prof. Mas existem os sismógrafos e as entidades encarregadas de intervir neste âmbito dos sismos, como a nossa “protecção civil…” Continuamos sem qualquer hipótese de prevenção nesta matéria?

Pois… Como estava dizendo, é na zona limítrofe das placas que se produzem os sismos mais devastadores e…

Nem sequer duma forma mais alargada existe a possibilidade de prever tais fenómenos e de prevenir os seus efeitos?

Bom, mas essa previsão mais alargada, como diz, é exactamente aquela a que me referia há pouco…

Sobre a localização das placas, parece que a comunidade científica já avançou até um estádio considerado satisfatório… Mas acerca do movimento dessas placas, Prof, como e quando se poderá ele prever?

É que, além do movimento dessas placas, há ainda que considerar as suas frequentes e múltiplas…

Mas, Prof, se esses movimentos são previsíveis, provavelmente também poderão ser prevenidos quanto às sua consequências, não será assim?

Não tanto quanto seria desejável. Mas, para se perceber melhor, voltemos um pouco atrás: falava eu das falhas tectónicas já localizadas, acontecendo, contudo, que tanto nessas falhas, como…

Desculpe interrompê-lo, Prof. É que o drama é exactamente esse: sabemos que zonas como a do Algarve, e Lisboa, e o vale do Tejo – isto para só falar nalguns exemplos nacionais – se encontram próximas de grandes falhas. Sabe-se que essas placas estão em constante movimento, e a ciência não nos consegue apresentar resultados que permitam uma mais próxima e exacta previsibilidade acerca desses fenómenos?

Nestas matérias não é fácil, e por vezes é mesmo impossível, responder pela simples afirmativa ou negativa. Mas se me deixar continuar o raciocínio anterior…

Faz favor, Prof P. Na verdade, talvez possamos entender que uma questão, posta, possa ser muito linear, mas que a resposta o não possa ser tanto assim…

Dizia eu que é preciso ter em conta as múltiplas e frequentes rupturas das falhas…

Desculpe, prof, mas, pelo que me parece, as consequências do maremoto foram muito mais graves e devastadoras do que as do sismo…

Como estava tentando explicar, o mecanismo físico que gera um sismo está bem estudado. Tal como é bem conhecido o fenómeno que gera um tsunami. Contudo…

Se pretendêssemos transpor para os nossos dias a análise do terramoto de 1755, que resultados apresentaria essa análise? Por exemplo, qual teria sido a sua magnitude em termos da escala de Richter?

De acordo com os conhecimentos alcançados, hoje, em matéria sismológica e geodésica, a tecnologia de que dispomos permite determinar, com rigor e fiabilidade, esses valores. Assim…

Muito obrigado, Prof P pelo valioso contributo que prestou, neste espaço noticioso, com as suas análises e os seus comentários. Até uma próxima oportunidade.



De si para si, pensaram:
o jornalista: acho que me correu muito bem a entrevista. Creio que estive bem à altura do que se podia esperar de mim, e demonstrei conhecimento do dossier. Fiquei satisfeito, correu-me muito bem. Brilhei.
O cientista: e perdi eu mais de duas horas do meu precioso tempo para uma entrevista de cinco minutos em que não me deixaram dizer nada…
O telespectador: não percebi bem quem era a estrela – o dito professor ou o jornalista?
Pensava eu que o professor é que devia falar… A ele é que devia dar-se destaque… Mas o jornalista não o deixou falar… Até parecia que era ele a estrela!... O certo é que fiquei na mesma, e não devia ser essa a intenção do programa.

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