sábado, abril 09, 2005

DISSERTAÇÃO SOBRE A DEFECAÇÃO


A imaginação é uma fonte inesgotável. E por vezes com apelos surpreendentes. Algumas vezes ousados. Quantas vezes inconvenientes ou despropositados em quem tenha maneiras.

É o caso de nos socorrermos de uma situação bem prosaica, pouco elegante, algo ridícula, muito inestética.

Todos – mas todos, mesmo, sem qualquer excepção – temos de satisfazer algumas necessidades imperiosas, daquelas básicas, que o organismo não dispensa – senão, entupíamos e morríamos inchados, disformes – como o defecar.

Do mais obscuro cidadão do Magreb próximo ou da mais longínqua ilha da Indonésia, às mais mediáticas e veneradas ou aplaudidas figuras do globo, todos têm de evacuar.

Mas claro que se não diz de um magrebino ou de um indonésio que vai evacuar. Cagar, sim é que ele vai, não vá sentir-se ofendido por palavras que não entende.

Mas já das tais mediáticas ou venerandas figuras se não atreve ninguém a dizer que vão cagar. Evacuar, obrar, sim, é que vão, na generalidade. Porque algumas vão é fazer cocó. A menos que se trate de algum bronco: porque nesse caso ele só entende uma linguagem: vai cagar (caso de Bush e de A J Jardim).

Já quanto ao poiso em que a íntima função é levada a efeito, e ao instrumento de recolha dos resíduos sólidos ou líquidos, também existem algumas diferenças. Os ditos magrebino ou indonésio, que vivem lá nos confins do deserto ou nas profundezas do mundo rural, esses acocoram-se num qualquer canto, talvez arrimados a um providencial muro ou no isolamento da imensa natureza que tudo suporta, e limpam-se, sumariamente, a qualquer folha de couve. Quando melhor, e se já mais civilizados, aliviam-se num buraco aberto no chão dum escasso compartimento de 0,90mX0,90m.

As veneráveis ou mediáticas criaturas dispõem de uma enorme profusão de tipos de compartimentos (casas ou quartos de banho), mais ou menos requintadas consoante a escala ou a importância societária; das mais vulgares às mais sofisticadas e inteligentes sanitas.

Imagine-se, então, sua sereníssima alteza real, a rainha de Inglaterra, sentada na (soberana?) sanita, aflitinha, saia e real cuequinha aos joelhos, sua alva e realíssima bunda aliviando as reais descargas intestinais. Os ruídos e os incomodativos odores, condizentes com a função. Um certo rubor facial, pelo esforço realizado. Um esgar, uma careta, um trejeito da face, pela dificuldade na operação. Um suspiro de alívio pelo resultado, enfim, conseguido.

Imagine-se, agora, a madre superiora das carmelitas em igualmente prosaica, inestética e difícil situação. O hábito, a combinação subidos até à cintura, o calção descido aos joelhos – mas de cara levantada, erguida ao céu, porque é pecado ver o corpo. E porque a natureza é mesmo assim, os mesmos sons, os mesmos cheiros, os mesmos esgares, as mesmas dificuldades, os mesmos alívios.

Ou imagine-se sua santidade o papa: batina despida, solidéu sobre a cómoda, calça e ceroula descidas aos joelhos. Implorando a divina protecção em tão complicada circunstância, sua pontifical bunda reluzente e de suaves fragrâncias, expelindo os detritos rejeitados pela natureza. Mas as mesmas variadas expressões faciais, consoante a maior ou menor dificuldade na empresa, os mesmos incontidos e inconvenientes ruídos, os mesmos ruborizantes odores, o mesmo suspiro de alívio final.

Mas o ritual, os inconvenientes e mais ou menos tímidos sons, os trejeitos faciais, a nudez das mais ou menos respeitáveis bundas… São sempre os mesmos.

Talvez diferente com Bush – porque falto de maneiras, bronco, desatento – produz ruídos tais que se ouvem ao fim do próximo quarteirão, põem em alvoroço os guarda-costas, surpreendem e desassossegam o sentinela do palácio, põem em polvorosa todo o pessoal da Casa Branca; tem tais descargas mais nauseabundas que empestam toda a vizinhança com um fedor de insuportável e repugnante putrefacção.

O que acontece também é que tal função é absolutamente pessoal e intransmissível e indelegável e indeclinável.

Daí que Bush não possa delegar o exercício de tal acto em Condoleezza Rice ou em Colin Powel.

Como o papa não pode dela incumbir qualquer cardeal ou um guarda suíço.

Nem sua majestade a rainha pode dela encarregar qualquer dos seus inúmeros servidores do Palácio de Buckingham, ou qualquer dos seus mais ignorados súbditos.

É da condição humana: cada qual tem de resolver por si, e em princípio sozinho, tal problema.

É a vida!


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