Gabinete do Primeiro
Palácio de S. Benedito
Lisboa
Minha extremosa tia Ambrósia
Sabe como é a vida duma figura pública. Sabe como um Primeiro escrupuloso, consciente, responsável, persistente e inteira e exclusivamente dedicado à nobre causa pública… Não tem vida própria. Até para dar uma fugida, a correr, a despacho a uma discoteca à noite… Era um problema!
Não tenho, de facto, escrito; mas a tia não se pode queixar, pois telefono-lhe com muita frequência.
Agora que estou, de novo, praticamente desempregado (até já meti os papeis para o subsídio de desemprego), volto a ter alguma disponibilidade de tempo: posso escrever à tia, visitá-la na sua casinha do bairro social do Padre Cruz, voltar à Vinte e quatro de Julho, às docas e à capelinhas do costume.
Sei que a tia sempre me compreendeu. Como sei que partilha o meu desgosto pelas canalhices que (quase) todos me fizeram. (A tia desculpe-me o termo e a falta de compostura, mas estou, realmente, de cabeça perdida.)
Só desconsiderações, maus tratos, injustiças e ingratidões.
Ah! Mas eu um dia volto. Ai volto, volto.
E hei-de vingar-me. Ai se hei-de!
A tia desculpe-me os desabafos.
A tia, a minha família e três ou quatro amigos (afinal, todo o mundo) sempre me fizeram ver que sou um predestinado. Um valor imperdível.
Mas há sempre que contar com os ingratos!... E os invejosos!
Ainda vão sentir a minha falta – estou mais que certo disso. Mas não sei se voltarei a estar disponível…
Um beijo grande
Toninho
PS (o que me custa escrever estas duas letras!):
Acerca daquele assunto de que a tia me falou no último telefonema (que a sua reformazinha sempre está disponível para mim…): tia, pelo amor de Deus, espero bem que não seja preciso nada. Creio que ficarei com algum pé-de-meia (como ex-primeiro); depois sempre farei um ou outro programazito da bola, na TV, assim espero.
Outra questão é a casa. Aí – e já que volto a estar sem casa, e o dinheiro não sobra (basta pensar nas pensões de alimentos que tenho de pagar a tantos filhos e ex-mulheres!) – aí, dizia eu, sou capaz de aceitar a oferta da tia, da tal casinha no Beco da Fonte, ao bairro do Tancredo!
Verdade que são outras as minhas ambições, mas não é altura de estar com exigências.
Outro beijo saudoso e grato do seu
Toninho